O número de lares chefiados por mulheres no Distrito Federal registrou crescimento, segundo dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) 2024. Atualmente, 17,2% dos domicílios brasilienses têm mulheres à frente da família, um crescimento de 25% em relação aos 13,7% registrados em 2021, quando foi realizada a pesquisa anterior. O estudo também trouxe informações inéditas sobre o perfil religioso da população da capital, mostrando que os católicos são maioria.
A pesquisa mostra que o DF tem uma população de quase 3 milhões de pessoas, sendo 2,8 milhões em áreas urbanas e 121,5 mil em rurais rurais. Ceilândia ainda é a maior região em número de moradores — mais de 292 mil. Samambaia é a segunda, com mais de 224 mil habitantes. A cidade ultrapassou o Plano Piloto, que antes ocupava essa posição e agora está em terceiro lugar com 211,6 mil habitantes.
O levantamento, realizado pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF), irá subsidiar a elaboração e a adoção de políticas públicas para os próximos anos.
Francisca Lucena, diretora da Diretoria de Estatística e Pesquisas Socioeconômicas do IPEDF, destaca que o principal objetivo desse trabalho, realizado com intervalos de aproximadamente dois anos, é fornecer um panorama detalhado das características da população. "A pesquisa nos permite entender como a cidade está evoluindo, quais são os desafios e onde precisamos focar nossos esforços", enfatiza. Neste ano, a coleta envolveu 56 mil visitas domiciliares para alcançar cerca de 25 mil entrevistas.
Carla Antloga, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (IP/UnB), avalia que mais mulheres chefiando as famílias ainda não pode ser visto apenas como um sinal de autonomia feminina. "Chefiar um lar não significa que essas mulheres estão em uma condição melhor de emprego. Muitas vezes, elas se sujeitam a condições piores, até assumindo trabalhos informais para sobreviver. Não podemos afirmar que esse dado indica uma maior autonomia", explica.
Além da sobrecarga financeira, há um aspecto social que ainda limita o reconhecimento dessas mulheres. "Muitas têm vergonha de se identificar como chefes de família. Não é incomum que registrem um homem como responsável pelo lar, seja por medo do julgamento ou para evitar constranger um parceiro. Isso mostra como a sociedade ainda enxerga esse papel de forma machista", analisa.
A moradora da Estrutural, Bruna Catiane, de 30 anos, é um exemplo das dificuldades enfrentadas por muitas mulheres para dar conta dessa responsabilidade. Sozinha, desdobra-se para cuidar de seus três filhos, um menino de 13, uma menina de 10 e a caçula de 3 anos. Sobre sua trajetória como mãe solteira, Bruna relata que enfrenta diversos percalços. "É muito difícil criar três crianças sem o apoio do pai delas e sem apoio familiar. Por enquanto, só consigo ter renda por causa do programa Bolsa Família, e ganho algumas doações, de vez em quando", detalha.
Ela recebe R$ 1,4 mil. Metade disso vai para o aluguel, que foi pago nesta sexta-feira (21/2). "Sobraram R$ 100, fiquei feliz, mas a minha filha me lembrou que faltava arroz e feijão em casa, então, esse dinheirinho também já foi embora", finaliza.
O levantamento também trouxe informações até então não apuradas sobre o perfil religioso da população do DF, de acordo com Francisca Lucena, diretora da Diretoria de Estatística e Pesquisas Socioeconômicas do IPEDF. Os católicos representam 46,8% dos entrevistados. Os evangélicos, 28,4%, consolidando-se como o segundo maior grupo religioso do DF.
Os espíritas correspondem a 3,2%, enquanto os praticantes de religiões de matriz africana são 0,7%. Além disso, 17,6% dos entrevistados declararam não ter religião. Outras crenças somam 3,2%.
O autônomo, Renan Soares, 33, é católico por influência do pai, mas, somente no ano passado, "regularizou-se" (prática dos fieis católicos quando crismam). "Eu procurei resolver essa questão (crisma) para me aproximar mais de Deus, julguei que seria uma decisão favorável para minha vida", explica. "Na turma na qual eu me crismei, havia cerca de 200 adultos crismando. Acho que a pandemia foi um dos motivos do aumento do número de católicos, as pessoas procuram a religião em situações desesperadas", completa.
Dulce Silgueira de Almeida, professora de sociologia da Universidade de Brasília (UnB), destaca que, embora o catolicismo predomine, esse mapa tende a mudar, porque o protestantismo tem forte presença nas periferias. "É muito mais simples abrir uma igreja em uma comunidade periférica do que uma igreja católica", observa.
O pentecostalismo, para ela, cresce entre os mais pobres devido ao discurso de "remissão dos pecados pelo bem material", diferindo da visão católica, que enfatiza a recompensa extraterrena.
Negros (pretos e pardos) são a maioria 58,30% — houve aumento de 1%. As pessoas que se autodeclararam brancas correspondem a 40% da população — 0,9% menos do que a pesquisa anterior.
Mesmo fazendo parte da maioria, o motorista Italo Rocha, 29, autodeclarado negro, já sentiu olhares preconceituosos. "Em alguns lugares, fica bem perceptível quando ficam me olhando estranho. Moro aqui há 17 anos e volta e meia ainda sofro com isso", conta.
Italo cobra medidas do governo. "Acho que poderia haver um foco na educação racial das crianças, afinal, elas são o futuro", completa.
A PDAD 2024 também destacou mudanças significativas no tempo de deslocamento das pessoas. Houve aumento de 25,93% no número daquelas que levam até 15 minutos para chegar ao trabalho, enquanto o percentual daqueles que gastam entre 30 e 45 minutos diminuiu 21%.
No mercado de trabalho, houve aumento de 27% no número de brasilienses atuando como autônomos, enquanto caiu em 7% o percentual de empregados no setor público, domésticos e nas Forças Armadas.
Newton Marques, economista
A que se pode atribuir o aumento no número de mulheres chefes de família?
Quando as mulheres constituem família tendo filhos ou se casando ou se unindo a companheiros/maridos, têm maior dependência dos pais, dos filhos ou dos companheiros/maridos, mas, quando se separam, podem depender de pensões ou não. Aí, têm que assumir a chefia das suas famílias, e, portanto, têm que obter renda para o seio familiar.
Quais setores da economia estão mais abertos à participação feminina no DF? Por quê?
Pela pesquisa, as mulheres têm que descobrir fontes de renda para se manterem ao perderem a complementação da renda do homem, seja por desfazer relacionamento ou casamento, seja com dificuldade com pensão, se tiverem filhos em comum. Assim, só lhes resta correr atrás de emprego, e o que está mais disponível é emprego no setor privado ou como microempreendedora individual.
Como políticas públicas podem ajudar a reduzir a desigualdade de gênero no mercado de trabalho?
O governo tem que aprovar e estimular a criação de vagas no setor público e privado, como percentuais ou cargos mais direcionados às mulheres.
Há um recuo no percentual de pessoas que moram em apartamentos. O que causa esse fenômeno?
A população cresce, mas não consegue comprar imóveis (taxas de juros elevadas ou maior comprometimento da renda com outros gastos) ou, até mesmo, tem que dividir os bens móveis e imóveis quando existem separações. Aí, partem para aluguéis. Os aluguéis no DF têm subido bastante porque a demanda supera, e muito, a oferta.
Houve uma redução expressiva no tempo de deslocamento dos brasilienses para o trabalho, mas os dados também mostram gargalos. O que pode ser feito?
Os maiores crescimentos foram para localidades que gastam mais de uma hora. Entende-se, portanto, Área Metropolitana de Brasília, ou seja, muito mais distante do local de trabalho. Uma solução seria horários diferenciados (de trabalho) para evitar hora do rush, como acontece pela manhã e fim de tarde.
Colaborou Luiz Fellipe Alves, estagiário sob supervisão de Malcia Afonso