Doze civis foram mortos ao longo do último dia em ataques russos na Ucrânia, nos quais residências e instalações de infraestrutura foram atingidas, de acordo com autoridades ucranianas.
Os recentes ataques aconteceram no fim de uma semana de forte turbulência política, após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidir iniciar negociações de paz com a Rússia sem a participação da Europa, nem sequer da própria Ucrânia.
A abordagem gerou mal-estar com líderes europeus e desavenças com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que chegou a ser chamado de "ditador" por Trump no início da semana (veja mais abaixo nesta reportagem a cronologia da crise).
Nesta sexta-feira (21/2), no entanto, o enviado especial dos EUA à Ucrânia, Keith Kellogg, adotou um tom diferente de Trump, e chamou Zelensky de "líder corajoso", afirmando que os dois tiveram "discussões positivas" em Kiev na véspera. Em pronunciamento à nação, Zelensky declarou, por sua vez, que o encontro havia restaurado a "esperança".
Em paralelo, a Casa Branca instou Zelensky a fechar um acordo sobre o acesso dos EUA aos minerais estratégicos da Ucrânia — um "acordo" que Trump disse que refletiria a quantidade de ajuda que os EUA forneceram à Ucrânia desde a invasão da Rússia em 2022, e que Zelensky rejeitou na quarta-feira.
Há informações ainda de que os EUA e a Rússia estariam avaliando a possibilidade de uma reunião entre Trump e o presidente russo, Vladimir Putin, mas o Kremlin afirmou que nenhuma decisão foi tomada ainda.
Enquanto isso, os EUA estão se opondo a chamar a Rússia de "agressor" em uma declaração do G7, grupo formado pelas sete maiores economias do mundo, para marcar três anos da invasão em grande escala da Ucrânia, conforme noticiou a imprensa internacional.
O enviado especial de Donald Trump à Ucrânia, Keith Kellogg, disse que teve discussões "extensas e positivas" com Zelensky na quinta-feira.
"Um dia longo e intenso com a alta liderança da Ucrânia. Discussões extensas e positivas com Zelensky, o líder combativo e corajoso de uma nação em guerra e sua talentosa equipe de segurança nacional", escreveu ele nas redes sociais.
Estes são os primeiros comentários de Kellogg sobre o encontro com Zelensky desde que a imprensa — incluindo a BBC — se reuniu para uma entrevista coletiva da dupla logo após a reunião, mas que foi cancelada no último minuto.
Em pronunciamento na noite de quinta-feira, o presidente da Ucrânia afirmou que o encontro com Kellogg restaurou a "esperança".
"Precisamos de acordos sólidos com os Estados Unidos, acordos que realmente funcionem", ele disse.
"Os interesses econômicos e os interesses de segurança devem sempre andar de mãos dadas. E os detalhes do acordo são importantes. Quanto melhor os detalhes forem elaborados, melhor será o resultado", acrescentou.
Zelensky afirmou que conversou com Kellogg sobre a linha de frente de combate e "a necessidade de libertar todos os nossos prisioneiros de guerra" mantidos na Rússia.
Ele disse que há necessidade de um "sistema confiável e bem definido de garantias de segurança para que a guerra não retorne, e os russos não possam mais mutilar vidas. Todos nós precisamos de paz — Ucrânia, Europa, América — todos no mundo".
Em paralelo, o conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Mike Waltz, afirmou na quinta-feira que Zelensky precisa retornar à mesa de negociações e fechar um acordo sobre o acesso dos EUA aos minerais de terras raras da Ucrânia.
Na quarta-feira, Zelensky rejeitou a proposta americana, depois que Trump disse que queria um "acordo" que refletisse a quantidade de ajuda fornecida à Ucrânia pelos EUA.
Waltz disse ainda que a Casa Branca estava "muito frustrada" com Zelensky, depois que o presidente ucraniano lançou insultos "inaceitáveis" contra Trump no início da semana.
"Apresentamos aos ucranianos uma oportunidade realmente incrível e histórica", afirmou o conselheiro, acrescentando que seria "sustentável" e "a melhor" garantia de segurança que a Ucrânia poderia esperar.
Mas Zelensky recusou a oferta, dizendo: "Não posso vender nosso Estado".
Nenhum acordo foi firmado ainda para uma reunião entre os presidentes da Rússia e dos EUA, de acordo com o Kremlin.
"Ainda não há nada específico sobre uma reunião entre Putin e Trump. Há um entendimento de que isso é necessário", disse o porta-voz Dmitry Peskov durante uma coletiva de imprensa diária.
A declaração foi feita um dia após o secretário de Estado americano, Marco Rubio, dizer que os dois lados só se reuniriam se fizessem avanços para acabar com a guerra na Ucrânia.
Perguntado por um jornalista sobre "a sensação de que o governo Trump se tornou a favor da Rússia e contra a Ucrânia", Peskov respondeu: "Essa sensação é incorreta".
"O presidente Putin continua aberto a uma solução para a Ucrânia por meio de negociações pacíficas."
Ao falar sobre a guerra com a Ucrânia, ele disse: "É muito cedo para resumir os resultados. A operação militar especial continua. Todos os objetivos estabelecidos pelo chefe de Estado devem ser alcançados".
Ele também negou os relatos de que a Rússia exigiu a retirada das tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) do leste europeu durante as recentes conversas com os EUA na Arábia Saudita.
De acordo com a imprensa internacional, os EUA estão se opondo a chamar a Rússia de "agressor" em uma declaração do G7 que marca o terceiro aniversário da invasão em grande escala da Ucrânia.
Este é mais um sinal da divergência entre o governo de Donald Trump e as nações ocidentais que apoiam a Ucrânia.
Uma reportagem do Financial Times citou autoridades ocidentais não identificadas dizendo que representantes dos EUA se opuseram ao termo "agressão russa" e a expressões semelhantes que têm sido usadas rotineiramente pelos aliados da Ucrânia, incluindo no G7.
"Os americanos estão obstruindo essa linguagem, mas ainda estamos trabalhando nisso, e esperamos chegar a um acordo", disse a fonte ao Financial Times.
A rede americana CNN também noticiou que os EUA estão se opondo à linguagem que culpa a Rússia pela guerra, e citou uma autoridade dizendo que "há muita preocupação com o equívoco de quem é responsável pela guerra".
A Rússia entrou para o G7 na década de 1990, mas foi removida do grupo depois que Moscou anexou a península da Crimeia e partes da região oriental de Donbas, na Ucrânia, em 2014.
No início de fevereiro, Trump disse que a Rússia deveria ser admitida novamente: "Eu adoraria tê-los de volta. Acho que foi um erro expulsá-los".
Na ocasião, as declarações chocaram alguns dos outros membros do G7, com o ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Noël Barrot, dizendo que o retorno da Rússia ao grupo era "inimaginável".
Enquanto isso, os combates continuam no campo de batalha, com o Exército ucraniano dizendo que respondeu a um ataque russo de 160 drones e dois mísseis durante a noite.
Ao longo do último dia, doze civis foram mortos e outros seis ficaram feridos em ataques russos na Ucrânia, de acordo com as autoridades ucranianas.
Dezenas de residências foram danificadas e infraestruturas foram atingidas nas regiões de Donetsk, Kherson, Nikopol e Zaporizhzhia, segundo autoridades locais.
Os ataques russos também atingiram instalações de infraestrutura e linhas de energia nas regiões de Kiev e Potlava, mas nenhum civil ficou ferido, de acordo com as autoridades.
A Força Aérea da Ucrânia afirma ter abatido 87 dos 160 drones russos lançados durante a noite. Segundo eles, 70 desapareceram das telas de radar, e não causaram danos.
Os militares russos ainda não se pronunciaram sobre os ataques.
A decisão de Trump de buscar a paz na Ucrânia sem o envolvimento direto da Europa, ou sequer de Kiev, levou a mais de uma semana de turbulência política.
A seguir, está uma breve cronologia do que aconteceu, dia após dia:
12 de fevereiro: Após um telefonema, Trump disse que ele e Putin concordaram em iniciar negociações para acabar com a guerra na Ucrânia. O secretário de Defesa americano, Pete Hegseth, sugeriu que Kiev precisaria ceder território à Rússia em um acordo de paz.
13 de fevereiro: O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que a Ucrânia não concordaria com nenhum acordo de paz elaborado sem o seu envolvimento — os aliados europeus o apoiaram.
14 de fevereiro: O vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, usou seu discurso na Conferência de Segurança de Munique para criticar duramente as democracias europeias, ignorando quase totalmente a Ucrânia.
15 de fevereiro: Na mesma conferência, Zelensky pediu a criação de um "Exército da Europa", já que a "antiga" relação do continente com os EUA estava chegando ao fim. Os EUA anunciaram negociações de paz na Arábia Saudita entre delegações de Washington e Moscou.
16 de fevereiro: Líderes europeus marcaram uma reunião de última hora em Paris sobre a guerra na Ucrânia.
17 de fevereiro: O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, disse que qualquer acordo de paz na Ucrânia exigiria uma "garantia de segurança dos EUA" para deter a Rússia. Mas ele também afirmou que a Europa "teria que fazer mais" para defender Kiev.
18 de fevereiro: Trump culpou falsamente Zelensky por iniciar a guerra, que começou após uma invasão russa em grande escala em fevereiro de 2022.
19 de fevereiro: Em resposta à declaração, Zelensky disse que Trump estava vivendo em um "espaço de desinformação" criado por Moscou — Trump, então, revidou, chamando Zelensky de "ditador".
20 de fevereiro: Aliados europeus — incluindo Starmer — condenaram as declarações de Trump, e apoiaram Zelensky. Trump continuou "muito frustrado" com o presidente da Ucrânia, mas Zelensky disse que uma reunião com um enviado especial dos EUA "restaurou a esperança".